quinta-feira, 16 de junho de 2016

O Hidromel

Há muito tempo eu queria falar aqui no blog sobre hidromel, pois ele é um elemento muito importante do que hoje é o meio medieval brasileiro.


Qualquer evento de temática medieval hoje tem hidromel, e a bebida caiu fortemente no gosto dos medievalistas. Uma prova disso é que nos últimos anos surgiu um grande número de produtores pelo país, tanto profissionais quanto caseiros ou amadores.


Mas nem sempre foi assim. Dez anos atrás, era muito difícil encontrar hidromel, e quando achávamos, era extremamente caro. Lembro de participar de uma pequena festa de temática medieval em 2007 em que tentamos comprar um barril para que os convidados pudessem ao menos experimentar, mas o preço não permitiu.

Superstition Meadery, Arizona, EUA
É possível que você nunca tenha ouvido falar em hidromel, principalmente se você não frequenta os eventos do meio medieval. Se for o caso, te entendo; como eu disse, ainda é uma coisa relativamente nova no Brasil. Por outro lado, pra galera que já frequenta os eventos do meio, essa minha explicação provavelmente é irrelevante.


Em inglês, é chamado de mead, que se aproxima da raiz nórdica/germânica da palavra: mjød para os dinamarqueses e noruegueses. O nome em português para a bebida deriva da raiz latina (hydromel para os franceses, idromele para os italianos). Nos países de língua inglesa, a palavra “hydromel” pode se referir a uma versão mais suave ou aguada da bebida, mas essencialmente hidromel e mead são a mesma coisa. Os alemães usam nomes diferentes para a mesma coisa: met e honigwein.

Mas afinal, o que é o Hidromel?


A definição básica e preliminar é: uma bebida alcoólica derivada da fermentação do mel com água. O teor alcoólico pode variar do equivalente a uma cerveja leve até o de um vinho forte. Pode ser normal ou espumante; seco, semi-doce ou doce.

O hidromel frequentemente é descrito como “um vinho de mel”, mas eu evito essa definição. Embora o processo de fabricação do vinho e do hidromel seja vagamente similar, prefiro pensar que o vinho é o sumo da uva (ou eventualmente de outras frutas) fermentado, e o mead ou hidromel, por sua vez, é o mel fermentado com água. Se cerveja é cerveja e vinho é vinho, então hidromel é hidromel. Mas isso é apenas a minha opinião; como eu disse acima, os próprios alemães chamam hidromel de honigwein, que numa tradução literal é exatamente “vinho de mel”, e a definição do hidromel como um vinho de mel aparece inclusive em textos acadêmicos.

Superstition Meadery, Arizona, EUA
Se você quiser experimentar, hoje em dia é bem mais fácil, como eu disse acima, pois surgiram muitos produtores no país. E pra quem quiser se aventurar a fabricar o próprio hidromel, o que pode ser uma experiência muito interessante (eu mesmo pretendo tentar em breve), existem diversos tutoriais no youtube para fabricação (o que democratiza bastante o acesso a esse conhecimento, já que a literatura especializada ainda não existe em português).

O hidromel é uma coisa relativamente simples de se produzir, pois os ingredientes básicos são apenas água e mel. Um terceiro ingrediente é a levedura, pra facilitar e tornar a fermentação mais previsível, mas em tese é possível fazer sem ela (a fermentação espontânea ou natural era a única opção até o século XIX). Obviamente existe toda uma técnica por trás, incluindo os conhecimentos sobre tipos de mel, tipos de levedura, tempo de fermentação, etc, mas a fórmula geral é simples.

Foto da Associação Americana de Cervejeiros Caseiros (Colorado, EUA), que incentiva seus membros a produzirem também hidromel.
Em geral, quem tem os equipamentos e a expertise para produzir cerveja (cuja produção caseira já é mais difundida) já tem meio caminho andado pra começar a produzir hidromel.


Um pouquinho da história do Hidromel


Antes que houvesse vinícolas, já existia mel.

Muita gente associa o hidromel diretamente aos povos nórdicos, mas na verdade ele é provavelmente a bebida alcoólica mais antiga do mundo, possivelmente já sendo consumida pelos egípcios (que foram os primeiros a domesticar as abelhas) e alguns outros povos mediterrâneos da antiguidade.

Conforme a civilização e a agricultura cresceram, bebidas alcoólicas feitas de frutas como a uva (vinho) ou cereais como cevada e trigo (cerveja) substituíram o hidromel em muitas partes do mundo, mas no norte da Europa, onde era mais difícil cultivar uvas, o hidromel permaneceu popular por muito mais tempo, e isso levou os nórdicos escandinavos a refinarem a produção da bebida, chegando a algo próximo da versão que consumimos hoje. Também por isso o hidromel é um elemento importante e frequente na mitologia nórdica.


O mitológico Hidromel da Poesia (Mead of Poetry) teria sido criado quando dois anões chamados Fjallar e Gallar misturaram o sangue de um ser extremamente sábio chamado Kvasir com mel. Os anões então deram a bebida ao gigante Suttungr, como compensação por terem matado seu pai. Odin furtou a bebida e fugiu na forma de uma águia; ao ver que era perseguido, ele cuspiu o hidromel em recipientes preparados pelos Æsir (os demais deuses). O Hidromel da Poesia daria a quem bebesse o dom da poesia, o que é uma grande metáfora para a inspiração poética, frequentemente associada ao próprio deus Odin.

Ilustração por Jakob Sigurðsson, um artista islandês do século XVIII.
Depois do fim da Idade Média, o uso do hidromel como bebida decaiu cada vez mais na Europa, sendo mantido principalmente nos monastérios, já que o mel era um subproduto da cera de abelha, muito valorizada pelos monges para fabricação de velas.

Iluminura do manuscrito francês Li Livres dou Santé (século XIII)
Sobre a história da fabricação do hidromel (e das outras bebidas alcoólicas fermentadas, por tabela), é interessante notar que até muito recentemente não entendíamos o processo de fermentação, que é basicamente é a transformação dos açúcares do insumo original (frutas, grãos ou mel) em álcool e gás carbônico, transformando o líquido em uma bebida alcoólica. Apenas na metade do século XIX desvendamos esse mistério, e passamos a controlar as leveduras adicionadas na produção da bebida; até então, o que ocorria era uma “fermentação espontânea”, que era bem menos previsível e resultava em produtos finais bem menos consistentes.

Enfim, o que observamos é que, após séculos de quase desconhecimento pela maioria das pessoas, o hidromel está ganhando popularidade no mundo de novo, e uma parte disso se deve justamente aos medievalistas.

Alguns termos que você pode ouvir por aí:


Melomel: é o hidromel feito com adição de frutas. É provavelmente a variação mais frequente do hidromel.

Cyzer: é uma mistura de mel e sumo de maçã fermentados em conjunto.

Metheglin: é o hidromel feito com adição de ervas ou especiarias, como gengibre, casca de laranja, noz-moscada, canela, etc.

Além dessas, existem diversas outras variações do hidromel, derivadas de sua mistura com outras substâncias ou com outras bebidas alcoólicas, mas isto fica pra outro artigo.

Fonte: http://www.beerbookmonth.com/2014_10_01_archive.html

Referências:







11 comentários:

  1. Espetacular esse artigo!!! Um monte de coisas aí fui descobrir depois q li seu texto..Parabéns pela excelente abordagem do assunto!!

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  2. Espetacular esse artigo!!! Um monte de coisas aí fui descobrir depois q li seu texto..Parabéns pela excelente abordagem do assunto!!

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  3. Parabéns adorei o srtigo

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  4. esta escrito franeses vc quis dizer franceses?

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  5. boa noite !
    estou realizando uma festa p minha filha de 15 anos era Medieval como posso fazer a decoração para esta festa, AGRADEÇO.

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    1. Olá, Paulo! Entre em contato pelo e-mail cenamedieval@gmail.com ou pelo formulário de contato do site que poderemos de ajudar melhor.
      Abraço!

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  6. Parabéns Rafael pelo belo artigo...

    Um grande abraço.

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