sábado, 24 de março de 2018

Old Norse, a Saga: Cap. II – Portões de Valhalla (Prelúdio)

Salve, vikings e medievalistas!

Continuando com nossa proposta de publicar os textos que contam a Saga do Old Norse, aqui está a primeira parte do segundo capítulo!


Ou seja, o texto abaixo é um conto que apresenta os acontecimentos da história imediatamente antes da segunda edição do evento (2016).

Se você não acompanhou as publicações anteriores dessa Saga, confira aqui:

Fique agora com o prelúdio do segundo capítulo (história de Philippe Meier e Jansen Nunes, e adaptação em texto para esta publicação por mim, Skald Rafael):





Quando os barcos apareceram no horizonte, as crianças já estavam esperando há muito tempo. Já fazia alguns dias que elas se reuniam ali todas as tardes, pois suas mães haviam dito que era época dos guerreiros voltarem. Esses guerreiros tão esperados eram os pais dessas crianças, e maridos dessas mulheres, que por sua vez evitavam compartilhar com os filhos a angústia que sofriam naqueles dias de espera. Cada uma delas sabia que seu homem poderia não estar nos barcos que retornavam, e por isso não compartilhavam da animação das crianças.

Junto com as crianças, esperava também um pequeno grupo de moças, mais jovens, sem maridos e sem filhos, que ansiava mais do que tudo pelo retorno de Astrid. A filha do Jarl era uma inspiração para elas: a única mulher a participar daquela viagem, e que com sorte poderia contar a elas tudo que não ouviriam da boca dos homens sobre a viagem. Com um pouco mais ainda de sorte e favor dos deuses, Astrid poderia ensinar a elas como serem shieldmaidens.

Crianças e moças então correram para avisar que os guerreiros estavam de volta. Em questão de minutos toda a vila estava na baía para recebê-los. O mesmo número de barcos voltava, o que já era um bom sinal.

Quando os barcos alcançaram a areia e os homens começaram a descer, foram atropelados por abraços, beijos, lágrimas e palavras de agradecimento aos deuses. Quase nenhuma mulher deixaria de fazer sua oferenda a Freya naquela noite, pois a maioria dos homens estava de volta. Havia muitos feridos e doentes da viagem, mas apenas duas mortes de homens já mais velhos, e suas esposas, igualmente velhas, agradeceram aos deuses por permitirem que seus homens tivessem a chance de morrer de armas nas mãos. A grande decepção ficou apenas com o pequeno grupo de jovens moças, que não via Astrid saindo de nenhum barco.

Além de Astrid, faltavam ali também cinco outros guerreiros. Mas como não tinha esposas ou parentes vivos, ninguém deu por falta deles naquele momento de alegria. 

Após o momento de euforia inicial e alegria por ver todos voltando vivos, as mulheres começaram a imaginar as riquezas que eles estariam trazendo.

Mas não havia nenhuma. E cada guerreiro que foi questionado sobre isso respondeu apenas com um olhar carrancudo.

O Rei Eiðr só conseguia pensar em chegar em seu salão e se afogar em cerveja, mas ainda na areia da chegada foi abordado por três de seus guerreiros. Inseguros e cabisbaixos, eles explicaram que a viagem fora um prejuízo... haviam deixado suas mulheres sozinhas para cuidar de suas fazendas, e agora voltavam de mãos vazias. O inverno seria rigoroso e não havia ouro, prata ou novos escravos para compensá-los. Nenhum daqueles guerreiros ousou dizer o que realmente pensava, mas não era necessário, Eiðr sabia muito bem. Tudo isso porque Astrid havia decidido abrir as pernas para um celta...

O Rei Eiðr reconheceu lealdade naqueles homens. Eles poderiam ter levantado a questão na viagem de volta, e ele não teria moral para responder. Preferiram relatar suas aflições em particular e com humildade. E pelo que podia lembrar, eles haviam lutado com coragem, embora a luta tivesse sido interrompida pelo romance de Astrid com o filho do chefe celta... Eles mereciam uma compensação, de modo que Eiðr distribuiu seus aneis de ouro e prata entre eles, além de presentear Sven, o mais velho, com sua própria seax.

Aliviado, Eiðr pensou que nada mais poderia separá-lo de um chifre cheio de cerveja, ou quem sabe até hidromel, mas quando estava chegando no salão foi interpelado pelo ancião Einar, o mesmo que havia feito o sacrifício e profetizado a vitória deles contra os celtas, na noite anterior à batalha.

- Ora, o favor dos deuses estava garantido... a vitória teria sido nossa, se não fosse...

O ancião não terminou a frase, pois Eiðr colocou em seus ombros sua própria capa de peles, e lhe prometeu um casal de bovinos de seu próprio rebanho. O velho sorriu um sorriso desdentado, e desejou ao seu Rei a benção de Odin e todos os outros deuses antes de se afastar.

Eiðr conseguiu tomar sua cerveja e adormecer bêbado em seu salão, mas o descanso foi curto, pois no dia seguinte foi abordado continuamente por guerreiros que haviam participado da expedição e voltaram de mãos abanando. Ele não sabia se os primeiros haviam espalhado a notícia ou se aqueles pedidos viriam de qualquer jeito, mas não importava. Eles mereciam compensação.

O rei havia enterrado há alguns anos uma boa quantidade de ouro e prata, que deveria ser seu tesouro no outro mundo. Cada moeda, taça e objeto de valor, contudo, foi desenterrado e usado para recompensar os guerreiros leais que haviam participado da expedição. No final das contas, parecia ter sido apenas uma questão de sorte que o Rei conseguisse manter sua espada e sua cota de malha.

Na semana seguinte ao retorno, Uffe, um Jarl vizinho, apareceu em seu salão. Ele trazia presentes e ofertas de amizade, desejando saber sobre as tais terras do oeste e oferecendo seus barcos e homens para a expedição que certamente aconteceria no próximo ano. Eiðr foi obrigado a admitir que não havia saque, e não sabia se haveria expedição no ano seguinte.

Por que?

Porque Astrid, sua filha, havia se casado com um dos celtas. E Astrid, sua filha, havia ficado para passar a próxima colheita e o próximo inverno com Earnán, seu novo marido. Um maldito celta... Cinco guerreiros leais a Eiðr ficaram também, para protegê-la. Depois do inverno ela deveria voltar para casa, para visitar o pai e mostrar sua terra natal para seu Earnán.

Uffe partiu, e Eiðr teve a certeza de que parecera fraco aos olhos do vizinho, e teria sorte se ele não tentasse invadir algumas de suas fazendas.

O inverno chegou e passou. A primavera deu seu primeiro, segundo e terceiro sinal, mas o barco que deveria trazer Astrid não foi visto no horizonte, e dessa vez era o próprio Rei Eiðr que passava as tardes na areia esperando. Com a demora, a língua do povo não perdoou. Logo começou a correr o comentário de que Astrid simplesmente não voltaria, que a própria filha de Eiðr havia abandonado seu povo.

Sem se deixar abalar com a demora e com os comentários maldosos, Eiðr ordenou que uma grande festividade fosse preparada para receber sua filha. Animais foram mortos e começaram a ser assados, jogos foram organizados. Pessoas começaram a chegar de todas as partes, inclusive Uffe, o Jarl vizinho, que estava sendo especialmente simpático e distribuiu pequenos presentes entre os guerreiros de Eiðr.

Muitos na festa estavam de braços abertos para receber Astrid, é verdade. Mas muitos só queriam comprovar sua tese de que a jovem não retornaria. 

Astrid deve estar de volta em breve... tenho certeza, pensou o Rei Eiðr.

Continua...




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