quinta-feira, 12 de abril de 2018

Old Norse, a Saga: Cap. II – Portões de Valhalla (continuação)

Salve, vikings e medievalistas!

Você esteve na segunda edição do Old Norse, Portões de Valhala, em 2016? Presenciou ao vivo a continuação da história do Rei Eiðr e sua filha, a shieldmaiden Astrid?


Se a resposta é não, sem problemas. Aqui está a conclusão desse segundo capítulo, que você pode ir lendo para se preparar para a edição deste ano.

Se você não acompanhou as publicações anteriores dessa Saga, confira aqui:
Fique agora com a conclusão do segundo capítulo (história de Philippe Meier e Jansen Nunes, e adaptação em texto para esta publicação por mim, Skald Rafael):



A época do retorno de Astrid chegou e passou. A grande festa organizada para recebê-la foi realizada sem ela, e o Rei foi abatido por uma angústia tão grande que deixou de se importar com os comentários que eram feitos sobre sua fraqueza. Astrid, sua própria filha o havia abandonado. Trocando por um bando de celtas...

Uffe, filho de Knut, o Jarl vizinho, partiu fazendo reverências e deixando presentes para Eiðr, mas o Rei pressentiu que aqueles eram os últimos tributos que receberia de Uffe.

Nos próximos dias, Eiðr ficou embriagado mais tempo do que o normal, oscilando entre o ódio e o amor que sentia pela própria filha. Uma thing, a assembléia de homens, foi realizada naqueles dias para resolver questões cotidianas, e pela primeira vez o Rei não participou. Enquanto os homens falavam, votavam e decidiam disputas, o rei roncava, bêbado e inconsciente em sua cama.

Até que o Rei foi acordado, numa noite, para ouvir a notícia da chegada de um viajante. Ao olhar nos olhos dele, o Rei Eiðr reconheceu ninguém menos do que Earnan, seu genro celta. Earnan estava mais magro, visivelmente mais fraco, mas era ele sem dúvida.

Mas o pior de tudo é que ele vinha sozinho, com um relato incrível: um outro Jarl, de terras mais ao norte, que se identificava como Bjarni, chegou com seus drakkares nas terras celtas, saqueou, matou e sequestrou Astrid. Os guerreiros do norte que a acompanhavam foram todos mortos.

- E você não fez nada, seu verme? - gritou Eiðr, cuspindo saliva e bafo de cerveja na cara de Earnan. - E o maldito do seu pai?

O jovem celta respirou fundo antes de responder.

- Eles apareceram de surpresa e o ataque deles foi rápido. Eu não estava por perto para proteger Astrid, e vou me culpar por isso até o fim dos meus dias. Meu pai acredita que esse ataque tenha sido causado por algum aliado seu, e se recusou a arriscar a vida de homens celtas para salvar Astrid. Eu tive que desafiá-lo para estar aqui. Mas vim sozinho...

Bêbado e compreendendo apenas parte do que o Earnan dizia, Eiðr ficou sem palavras.

- ... vim sozinho pois acredito que esse Jarl Bjarni não seja seu aliado, e acredito que ainda podemos resgatar Astrid.

Eiðr apoiou a cabeça nas mãos. O choque fazia com que a embriaguez e o sono dessem lugar a uma dolorosa lucidez. Perdi o respeito de meus próprios homens, e um por um estou perdendo o respeito dos Jarls. Primeiro Uffe, que sorri enquanto distribui presentes entre meus homens, e agora Bjarni, que me desafia abertamente e pretende sacrificar minha filha. Será que ao menos os deuses ainda me veem como um homem?

Eiðr então cambaleou até a casa do ancião Einar, o mesmo que havia feito o sacrifício para os deuses antes da batalha com os celtas, e que talvez tivesse um sábio conselho agora. O velho, como muitos outros, já não via em Eiðr um líder forte, mas apenas um homem fraco que a cada dia afundava mais em sua derrota. Ainda assim, Einar se compadeceu de seu Rei, e decidiu levá-lo até alguém ainda mais velho e sábio, alguém que ouvia a voz dos deuses com mais clareza: a völva que alegava ser Thorbjörg. Einar tinha dúvidas se ela era de fato quem alegava ser, até porque não havia tantos fios prateados no cabelo da mulher como se poderia esperar de aguém assim, mas o fato é que as palavras dela possuíam poder.

Sem esperar pelo raiar do dia, Einar ordenou que um servo preparasse dois animais e, iluminados apenas por tochas e pela luz da lua crescente, embrenharam-se numa trilha entre as árvores. O escuro era um problema pequeno, porque tanto o ancião Einar quanto seus animais conheciam muito bem aquele caminho, feito e refeito tantas vezes. O problema era saber se a Völva, sábia mas caprichosa, receberia o rei bêbado.


Mas a verdade é que a mulher já estava esperando na entrada da caverna, apoiada em seu cajado e coberta por sua capa de lã. Talvez fosse a escuridão (ou a bebida ainda agindo no sangue do rei), mas a visão daquela mulher parada no escuro lhe deu calafrios, e ele se ajoelhou, demonstrando respeito pelo poder que sentia.

Antes que aquela völva que se dizia ser Thorbjörg prestasse seus serviços, um preço justo foi combinado: a partir daquele dia, ela seria recebida com honra no salão de Eiðr. E apesar da prontidão do Rei a fazer essa promessa, as palavras para ele foram duras.

- O que está acontecendo é culpa sua, Rei Eiðr. Você permitiu o casamento da sua própria filha, uma shieldmaiden do Norte, com um celta. Com certeza o Jarl Bjarni ouviu falar disso, e com o último inverno rigoroso pelo qual passamos, não é difícil colocar a culpa nesse casamento. Bjarni provavelmente pretende sacrificar Astrid.

A völva permitiu um longo silêncio enquanto o Rei absorvia aquelas palavras e sentia toda a culpa.

- Seu tempo está acabando, Eiðr. Nem os próprios deuses sabem o que acontecerá a seguir, mas os fios do seu destino já foram trançados e não vão muito longe. Você ainda tem a chance de entrar em Valhalla com a benção de Odin, mas sua sorte não é a mesma que já foi...

- O que devo fazer? - perguntou Eiðr, já humilhado.

- Para começar, resgate sua filha. Não há guerreiro em Valhalla que tenha permitido que a própria filha fosse sacrificada por um inimigo.

- Chegarei a tempo...?

Antes de responder, a velha jogou as runas.

- Bjarni vai fazer o sacrifício na lua cheia, então você ainda tem três dias. Um guia vai aparecer para guiá-lo, quando for necessário.

O que se seguiu foi a expedição mais rápida já organizada por Eiðr. Não por mar dessa vez, mas por terra, para o Norte, para o território de um jarl vizinho. As mãos dos homens eram necessárias na colheita que se aproximava, e obviamente a moral de Eiðr estava baixa com o fiasco do ano anterior. Mas o desejo de viangaça do Rei ainda foi capaz de inspirar muitos, e em dois dias eles estavam marchando para o norte.

Eiðr mandara um mensageiro às terras de Uffe, filho de Knut, convocando-o a ajudar na luta. A resposta, contundo, fora fria e sem respeito. Além de não enviar um homem sequer, o Jarl Uffe se recusava a levantar armas contra o Jarl Bjarni.

- Meu senhor... - disse o mensageiro que voltara com a mensagem do vizinho - o Jarl Uffe diz que, se os deuses estiverem com o senhor, então o senhor vencerá esta batalha com seus próprios homens...

E assim Eiðr partiu para o norte, correndo contra o tempo e contra a raiva que sentia. Ao seu lado marchava Earnan, seu genro celta, e o rei não podia deixar de pensar que, se não fosse por ele, nenhuma dessas desgraças teria acontecido.

Thorbjörg havia dito que um guia apareceria para guiá-los, e Eiðr decidiu que ela merecia um grande presente na volta, além do já combinado, pois tão logo alcançaram as terras de Bjarni, avistaram um corvo, que voou de árvore em árvore, esperando pacientemente o avanço de Eiðr, Earnan e os outros homens, até o local do sacrifício.


A luz da fogueira e das tochas bruxuleava, e Astrid estava amarrada numa grande pedra quando os Eiðr e seus homens invadiram a clareira gritando como demônios. Pegos de surpresa, muitos dos homens de Bjarni caíram antes de poder reagir, mas os outros deram bom combate.

A batalha foi tão rápida que até hoje é uma memória confusa na mente de todos que participaram, e apenas quem presenciou poderá saber como foi. Não houve parede de escudos, nem muita estratégia. Apenas caos, morte e sangue, e tudo acabou mais rápido do que se poderia esperar. Poucas armas beberam tanto sangue quanto a lâmina de Earnan, e o próprio Jarl Bjarni foi morto pela espada furiosa de Eiðr, e mandado direto para os Portões de Valhala, onde Eiðr esperava encontrá-lo em breve.


Astrid foi resgatada. Foi o próprio Earnan que cortou as cordas que a amarram à grande pedra de sacrifício, e a carregou nos braços e a colocou em cima de um cavalo, e durante todo esse tempo ela não proferiu uma palavra sequer. A primeira coisa que ela conseguiu dizer foi dirigida a seu pai, quando Earnan havia respeitosamente se afastado e ninguém mais estava por perto para ouvir.

- Me perdoe...

Eiðr não respondeu, apenas levou sua filha de volta para casa, respeitando seu silêncio e engolindo todas as palavras de rancor que queria que ela ouvisse. Não era necessário, pois o espírito dela já estava quebrado.

Ainda que Bjarni tivesse sido derrotado, não havia dúvidas de que o inverno fora rigoroso e que tempos difíceis estavam pela frente. Eiðr convocou Uffe e outros Jarls menores para organizar, para o próximo solstício de inverno, o maior festival de Yule que já havia sido feito. Se os deuses estavam de fato descontentes, precisavam ser apaziguados.


Quanto a Astrid e Earnan, Eiðr não precisava dos conselhos da velha Völva para saber que eles nunca mais seriam os mesmos, e se considerou abençoado pelos deuses por ao menos ter conseguido resgatar a filha, ainda que a inconsequência jovem dela fosse provavelmente lhe custar o título de Rei.

Continua na próxima edição...



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